A polémica em torno da nomeação de José Guerra esteve esta quarta-feira em discussão no Parlamento Europeu. O Governo garantiu que “não houve interferência política” e assegurou que a escolha de José Guerra foi “independente” e “transparente”, mas as explicações da secretária de Estados dos Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, não convenceram todos os eurodeputados.
Da “condenação” do PPE (grupo político onde estão representados o PSD e o CDS-PP) ao “tremendo choque” o grupo Renovar a Europa, passando pelo pedido dos Verdes de “salvaguardar institucionais” e de que o parecer do júri europeu se torne vinculativo, apenas o S&D (que integra o PS) aceitou sem reservas as explicações do Governo português. O GUE/NGL (onde está o BE e o PCP) não se opõe à nomeação, mas lamenta “trapalhada grave” que ameaça manchar a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE).
Disparate não joga a favor da presidência europeia, diz PPE
“Entristece-me ter de condenar o comportamento do Governo português mas os factos são irrefutáveis. O Governo português mentiu ao Conselho sobre a qualificação de um dos candidatos à Procuradoria Europeia. Por causa essa mentira tomou-se uma decisão que não deveria ter sido tomada”, disse o eurodeputado espanhol Esteban González Pons, do Partido Popular Europeu (PPE), onde estão representados o PSD e CDS-PP.
Segundo o vice-presidente do PPE, “este tipo de disparates são próprios de outras latitudes” e “não jogam a favor da presidência portuguesa do Conselho da UE”. Esteban González Pons disse ainda que nem sabe o que é pior, “a desculpa de erros administrativo ou a teoria da conspiração internacional anti-portuguesa”, e pediu à Comissão Europeia para investigar o caso.
Também do PPE, a eurodeputada alemã Monika Hohlmeier, que preside à comissão parlamentar de Controlo Orçamental, defende que “a procuradoria Europeia tem de ser independente devido à sua própria natureza” e “os procuradores nomeados devem ser independentes”. “Dar preferência a determinados candidatos é inaceitável e não há qualquer base transparente para a nomeação. Isso é algo muito errado e peço que isto mude”, disse.
O PPE pediu ainda uma investigação ao caso e apelou ao Governo português para que assuma a “sua responsabilidade perante os portugueses e a União Europeia”. “As mentiras devem acarretar consequências”, referiu.
S&D nega ingerência: “Se isto fosse esta uma batalha naval e diria que foram três tiros na água”
Em defesa do Governo português saiu a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D), onde o PS está representado. A eurodeputada Isabel Santos garantiu que “não houve interferência política” no processo de nomeação e, ainda de lhe ser silenciado o microfone, acusou o PPE de integrar “os verdadeiros urdidores desta campanha de desinformação, uso único objetivo é atingir a presidência portuguesa do Conselho da UE”.
O eurodeputado Pedro Silva Pereira assegurou também que o processo foi transparente e disse que “uma coisa são dúvidas legitimas e de boa fé sobre a transparência das nomeações do Conselho nas nomeações dos procuradores europeus, outra são as acusações falsas”. “Hoje sabe-se que esse parecer [do júri europeu] não é vinculativo e que também não foi seguido por outros países”, mencionou, referindo-se à Bélgica e a Bulgária.
“Acusaram o Governo de fazer uma nomeação política mas hoje está esclarecido que o procurador português não foi escolhido pelo Governo, mas sim por um órgão independente. Disseram que a decisão do Conselho foi determinada por mentiras e erros no currículo do candidato, mas hoje sabe-se que o currículo junto ao processo não tinha erros e que o fundamento da decisão do Conselho não se baseou em quaisquer erros”, explicou.
“Se isto fosse esta uma batalha naval e diria que foram três tiros na água, porque isto não passa de um caso artificial”, ironizou.
Esquerda apoia nomeação e lança críticas ao PPE
Também a Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, onde estão o Bloco de Esquerda e o PCP, saiu em defesa do Governo português. A eurodeputada comunista Sandra Pereira referiu que o grupo político que integra não se opõe à seleção feita pelas autoridades portuguesas e que lhe reconhece “melhor competência quando à escolha do procurador europeu a indicar para Portugal”.
Ainda assim, reconheceu que o processo está marcado por “discrepâncias entre o currículo do candidato escolhido pelo Governo português e o documento que acompanhava esse currículo” e que “importa saber em que fundamentação o Conselho Europeu se baseou para nomear o procurador indicado por Portugal”. “É necessário averiguar o que se passou e prevenir que tal situação volte a acontecer”, atirou.
“Esclareça-se esta situação a bem da transparência e do rigor. Mas não contem connosco para o empolamento desta questão tem por detrás numa agenda política”, acrescentou.
Já o bloquista José Gusmão sublinhou que o processo de nomeação “foi adequado”: “o nome que foi proposto por Portugal para a Procuradoria Europeia corresponde ao primeiro nome selecionado pelo Conselho Superior do Ministério Público”. Mas a “trapalhada grave que ocorreu com a prestação de informações falsas no currículo desse candidato deve e já teve consequências políticas”.
E num recado ao PPE e aos partidos português que o integram (PSD e CDS-PP), sugeriu que “olhem para a sua própria bancada e para o Fidesz que a integra”, e que “parem de fazer alianças com a extrema-direita em Portugal porque é mais nesse terreno que se joga o futuro da democracia no nosso país e na Europa”.
Renovar a Europa diz que nomeação foi um “tremendo choque”
A eurodeputada holandesa Sophie in ‘t Veld, que integra o grupo Renovar a Europa, disse que foi um “tremendo choque” a nomeação de José Guerra, mas salientou que Portugal não foi o único país que não acatou as recomendações do comité de peritos europeu (também a Bélgica e a Bulgária não o fizeram). “Portugal, Bélgica, Bulgária e todo o Conselho puserem em causa o funcionamento da Procuradoria Europeia”, referiu.
Para Sophie in ‘t Veld, “não havia qualquer razão” para estes país se afastarem da recomendação dos peritos, a menos que quisesse “criar emprego para os amigos”. E salientou: “Precisamos de uma total transparência de Portugal. Portugal tem de dar toda a informação para esclarece a questão e o Conselho tem de explicar com clareza sobre o processo e recomendamos a que se comprometa a nunca mais se desviar da lista sugerida para evitar situações deste tipo”.
Pelo Renovar a Europa, o romeno Dragoş Tudorache acrescentou que é preciso “garantir que os fundos europeus não são gastos de uma forma fraudulenta e que não chegam aos bolso errados” e que, nesse aspeto, “a Procuradoria Europeia é muito importante”. “Para garantir a independência, tanto de Bruxelas como das capitais europeias, os procuradores têm de ser nomeados respeitando as normas”, frisou.
Verdes pedem “salvaguardar institucionais” e quem parecer vinculativo
Pelo Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia (partido que o PAN integrava, até à saída de Francisco Guerreiro do partido), a eurodeputada belga Saskia Bricmont defendeu que a Procuradoria Europeia tem “poderes de inquérito e de acusação”, em crimes de corrupção e fraude, e por isso é necessário “as salvaguardas institucionais” para haver garantias da sua independência.
“De Portugal, espera-se que, enquanto presidência em exercício, dê o exemplo e siga os peritos para que a Procuradoria Europeia possam lutar contra a fraude e corrupção sem riscos de interferência do política”, disse, sublinhando que o seu grupo político vai lutar para que “passe a ser vinculativa” o papel dos peritos europeus e a classificação final dos candidatos, na decisão dos procuradores europeus.
O alemão Daniel Freund sublinhou ainda que “a Procuradoria Europeia deve ser uma ferramenta para se combater a fraude e corrupção” e que deve ter “pessoas competentes para levar a cabo a sua missão”, mas “o Conselho não quer que seja bem sucedida”. “Não há bom financiamento e três Governos interferiram com o processo de nomeação”, referiu, apontando o dedo ao Conselho Europeu e à Comissão.
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