GreenEFact - Ricardo Oliveira: “Pretendemos que todas as espécies domésticas tenham o mesmo respeito, dignidade e proteção que um cão ou um gato podem ter”
Como começou este projeto?
Este projeto nasce do objetivo de conhecer realmente todas as espécies de animais domésticos exploradas pelo Homem, num contexto diferente daquele em que cresci, que foi o de uma exploração de pecuária. A ONG foi fundada em 2019, mas desde 2013 que comecei a fazer resgate e reabilitação de cães e gatos, no seguimento do curso de Criotecnia da Universidade Lusófona de Lisboa e mais alguma formação posterior, tendo nessa altura já cerca de 10 anos de voluntariado na proteção animal. O grande objetivo foi conhecer estes animais sem medo, algo que não conheci na exploração, e partilhar esse conhecimento e experiência com o máximo de pessoas possível, para proteção de todos eles.
Que transformações sofreu desde o começo até agora?
O progresso tem sido constante. Desde o início que estabelecemos um número máximo de animais de cada espécie, que consideramos ser o adequado, tendo em conta as condições que temos, mas acima de tudo o nível de bem-estar que pretendemos para cada animal. A melhoria de infraestruturas, voluntariado, rotinas, alimentação e cuidados médicos tem sido constante, principalmente esta último, tendo em conta que há 10 anos era quase impossível conseguirmos que uma ave ou um porco fosse tratado pelo menos com o mesmo respeito e atenção que um cão ou um gato.
Quantas pessoas estão atualmente envolvidas na Amore?
Eu e a Alice vivemos no Centro 24 horas por dia e 7 dias por semana e somos nós que asseguramos todos os cuidados a todos os animais. Da parte da tarde, de segunda a sexta, temos o apoio do Filipe, um voluntário muito experiente, que nos ajuda com a rotina da tarde, permitindo-nos as deslocações a fornecedores e veterinários e é também ele quem trabalha connosco na melhoria de infraestruturas e nas reparações. Ao sábado e domingo recebemos as equipas de voluntariado parcial, das quais fazem parte os restantes voluntários, a maioria com mais de 3 anos de antiguidade.
O que vos motiva para esta causa?
Justiça. Construímos crenças e preconceitos sobre umas espécies e não sobre outras, o principal objetivo é pelo menos conseguirmos que todas as espécies que protegemos tenham o mesmo respeito, dignidade, proteção social e jurídica que um cão ou um gato podem ter. Para isto, é crucial conseguirmos que as pessoas aprendam sobre estes animais e compreendam que todos eles são dotados da mesma sensibilidade e amabilidade que qualquer outro, humano incluído, e mesmo que não fossem, nada em pleno ano de 2024, justifica a violência e a crueldade com que ainda tratamos estes animais.
Quais os animais que albergam e de onde vêm?
Protegemos à data de hoje 240 animais, de 20 espécies diferentes. Todos vêm de situações de abandono, negligência, maus-tratos ou exploração para abate. Os resgates são feitos através de denúncias de particulares ou das autoridades, como gabinetes médico veterinários municipais e entidades de segurança pública. Também fazemos resgates através de contactos diretos a donos de explorações de pecuária, em que através do diálogo pedimos e procuramos que nos entreguem animais para viverem livres de exploração, muitos dos resgates foram feitos assim.
Qual é a razão para o vosso anonimato geográfico?
Não nos localizamos por motivos de segurança dos animais e pessoas, também por prevenção contra o abandono de animais nas instalações.
São muitos os apelos que fazem, nomeadamente nas redes sociais. De que forma conseguem suprir as vossas necessidades?
A grande dificuldade de um projeto como o nosso deriva do facto de não protegermos apenas duas espécies. Torna-se muito mais complexo satisfazer as necessidades de cada uma, quer a nível logístico, quer a nível financeiro. Também não existem doações de fabricantes de rações para animais chamados de pecuária, porque tudo é aproveitado. Vivemos uma semana de cada vez, ou duas na melhor das hipóteses. Apesar de todo o trabalho que fazemos com as Câmaras Municipais, não recebemos qualquer apoio e mesmo sendo chamados, as despesas com os animais são quase sempre todas a nosso cargo. Recebemos muito pouco ou nenhum apoio de empresas, o que acaba por nos fazer depender muito de todos os particulares que nos apoiam mensalmente. São mais de 10.000€ de despesas mensais e trabalhando 16h por dia no Centro, seria impossível mantermos e desenvolvermos o projeto sem o apoio de todos.
Apesar de tanto sacrifício, sentem que ainda vale a pena continuar?
Sem qualquer dúvida. Não diria que exista sacrifício, existem dificuldades inerentes ao processo de se trabalhar em prol de uma mudança. Há 15 anos, seria loucura imaginar que um projeto de proteção de porcos e galinhas, teria o apoio que nós temos, financeiro e emocional. Todos os dias recebemos mensagens de carinho, amor e encorajamento de quem segue o nosso trabalho.
Já tentaram reunir com entidades públicas para possíveis apoios financeiros?
Estamos a fazê-lo neste momento. De facto, chegámos a uma fase do projeto em que não podemos continuar a depender apenas da ajuda de particulares, do nosso trabalho e da venda de merchandising. Já tivemos algumas reuniões e vamos procurar que o nosso trabalho seja cada vez mais apoiado por empresas e organismos do Estado.
Esta ONG aparece no documentário “Carne a pegada insustentável”, isso deu-vos uma maior visibilidade?
Sem dúvida, tanto a nível nacional como internacional. O convite surgiu exatamente pelo nível de bem-estar dos nossos animais. Serão sempre eles os elementos mais importantes de tudo isto. Existiu também um ótimo “casamento” entre a realização e produção do documentário, uma vez que partilhamos os mesmos princípios, valores e ideias sobre o que acreditamos ser a abordagem adequada para uma questão da mais elementar justiça.
O espaço está aberto ao público ou recebe algum tipo de visitas?
Não e as razões são muito concretas e objetivas. Um Santuário de animais não faz adoções e, portanto, o objetivo é que todos os animais vivam em paz e harmonia até ao fim das suas vidas. Nesse sentido, as visitas iriam comprometer rotinas e destabilizar, provavelmente ao ponto de se gerarem conflitos entre os próprios animais. Somos totalmente contra esse tipo de exposição e até seria hipócrita não o sermos, uma vez que defendemos o encerramento dos jardins zoológico e dos aquários.
Como é então feita a interação com os animais?
A regra é a mesma para todos nós, só se interage com o animal que procure essa interação e por necessidade de avaliação, tratamento ou segurança. Não queremos que os animais criem dependência humana, nem sejam disponíveis por manipulação nossa. Queremos que sejam os próprios a decidir e, acima de tudo, que tenham liberdade para se comportarem da forma mais natural possível.
Têm algum tipo de iniciativa para uma maior consciencialização sobre esta causa?
Sim, além de toda a comunicação que fazemos nas redes sociais, temos um plano pedagógico chamado “Entre Mundos”, que será aplicado com crianças entre os 6 e os 8 anos. Vamos arrancar este ano com o projeto piloto, com uma turma dos 6 anos. Este ano também iremos arrancar com palestras sobre temas dentro do que fazemos, em universidades e escolas secundárias. Queremos continuar a fazer também trabalhos documentais e temos dois projetos já preparados. Também iremos no próximo ano, arrancar com algumas sessões de formação gratuitas, sobre maneio e gestão de um Santuário e também sobre comportamento animal.
De que mais precisam para continuarem com o projeto?
Nesta fase, é crucial o apoio de empresas, para que consigamos construir uma sustentabilidade mais forte e segura. Caso queiram apoiar o nosso trabalho, basta enviar email para amoremparia.parceiros@gmail.com. E quem quiser fazer um donativo em género ou monetário, basta procurar por “amorempatiaong” no Instagram e na nossa BIO, poderá subscrever o donativo mensal de alimento para os animais.
Ler a entrevista online aqui.
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Segunda-feira, 15 de Julho de 2024
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