Barlavento: 'Parlamento Europeu esteve à porta de Portimão'
Futuro da Europa no pós-pandemia e a guerra no leste foram dos temas mais presentes no «Parlamento Europeu à sua porta», evento que terminou no em Portimão depois de uma tournée que passou por sete cidades portuguesas.
Houve razões, diz Pedro Valente da Silva, Chefe do Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, que «justificam plenamente» a estreia desta iniciativa no nosso país.
«Desde logo, o facto de Portugal ser um Estado-membro desde 1986. Os portugueses estão sempre no top dos cidadãos que reconhecem a importância da União Europeia no desenvolvimento do seu país. Mas por outro lado, estamos com níveis de participação eleitoral igual à de países onde a popularidade da EU não é assim tão elevada. É uma espécie de paradoxo lusitano, se quisermos. Penso que isso é algo que nos deve preocupar a todos e acho que essa foi uma premissa para a decisão de realizar este projeto-piloto» em Vila Real, Viseu, Coimbra, Évora, Braga, Porto e Portimão.
«Agora, em função dos resultados obtidos, será feita uma avaliação e será tomada uma decisão se é para continuar. Penso que é um instrumento muito útil. Podemos questionar o modelo, os conteúdos, a duração, mas foi um esforço enorme, tivemos em sete cidades em menos de dois meses» numa digressão que teve 12.381 visitantes, de 23 de abril a 19 de junho.
A estrutura móvel do «Parlamento Europeu à sua porta», ao todo, acolheu 22 conversas e debates com 18 eurodeputados e mais 38 conversas temáticas que abordaram a realidade de cada região visitada.
Relativamente a temas regionais, em Portimão «falou-se sobre a necessidade de se de completar a eletrificação da ferrovia, sobre o problema da água e da seca, e também se não seria oportuno explorar o gás natural que existe na costa algarvia», embora «não tenha havido por parte dos atores políticos, nem da assistência grande entusiasmo. Falou-se também no problema da habitação no Algarve, que é cara e não há muita oferta», resumiu.
Um tema incontornável foi as consequências da guerra na Ucrânia, «porque todos nós estamos a sentir a escalada de preços. Há o perigo de voltarmos a ter uma inflação alta, algo que não se vivia desde o início dos anos 1980. Tivemos a crise financeira internacional e do Euro, atentados terroristas, a crise dos refugiados em 2015, a saída do Reino Unido (Brexit) com todas as ondas de choque que provocou e provoca e, nos tempos mais recentes, uma pandemia terrível. Começámos a ver a luz ao fundo do túnel e cai-nos agora esta guerra sem qualquer justificação».
Na próxima semana, o Conselho Europeu vai decidir se atribui à Ucrânia e à Moldávia o estatuto de país candidato. «Penso que todos estamos a contar com isso. Estima-se que haja seis milhões de refugiados ucranianos e, possivelmente, cerca de metade estão na Polónia. E temos milhões de deslocados dentro da Ucrânia. A economia do país, que é um grande produtor de cereais, está praticamente destruída. Ou seja, temos um desafio muito grande. O Parlamento Europeu já propôs aos Estados-membros taxarem os lucros inesperados das empresas de energia e há outras medidas em cima da mesa, por exemplo, rever o quadro financeiro plurianual», até porque o conflito vai perdurar.
Com todo este contexto, há quem acredite que os prazos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) podem não ser cumpridos. «É algo a ter em conta. Há já quem já defenda que precisamos de uma nova bazuca. Está na calha a criação de um fundo fiduciário internacional para ajudar a reconstrução da Ucrânia e talvez um fundo de autonomia estratégica para a Europa, de molde a permitir que a transição energética seja mais rápida, com base em fontes renováveis e que se criem também instrumentos transfronteiriços para melhorar a eficiência energética. Portugal e Espanha são quase uma ilha na Europa porque não há ligações com França que permitam exportar os excedentes. Há alturas que os dois países têm superavit de produção (solar), mas neste momento não há condições técnicas de exportar energia para lá dos Pirenéus. Já houve uma abertura por parte da França e por vezes, das crises surgem oportunidades», considerou.
«Vivemos uma situação excecional em que há um reforço, uma espécie de plano Marshall, não apenas subvenções, mas também a possibilidade de os Estados-membros receberem empréstimos a muito baixo juro. Um instrumento que foi pensado para a recuperação dos países no pós-pandemia e que teve como origem algo sem precedentes que é a União Europeia ir aos mercados financeiros internacionais, por intermédio da Comissão, contrair empréstimos que têm como garantia o Orçamento Europeu. É algo que nunca tinha sido feito e que sabemos que durante muito tempo era uma espécie de tabu. Era uma questão que não se colocava».
José Apolinário, presidente da CCDR Algarve e José Garrancho, colaborador do barlavento que moderou o debate.
«O fascínio da integração europeia é que são 70 anos de construção e hoje tem de haver uma identificação dos cidadãos com o projeto europeu. Creio que a recente conferência sobre o futuro da Europa teve uma forte participação cidadã. Em maio foram emitidas as respetivas recomendações e penso que, com certeza, as instituições terão em conta as propostas dos cidadãos. Algumas vão no sentido de reforçar as competências da União Europeia na saúde, que hoje são, essencialmente, competências dos Estados-membros. E quiçá até desencadear um processo de revisão dos tratados europeus. O Parlamento Europeu defende isso, mas sabemos que é complicado, porque qualquer mudança implica unanimidade. Veja-se o caso das sanções aplicadas à Rússia, com toda a diplomacia e negociação que tem envolvido. Creio que estamos como que num período refundador da União Europeia», enfatizou.
Antes das últimas eleições europeias de 2019, havia muito ceticismo e previa-se uma abstenção recorde. «Dizia-se que iriam ser constituídos blocos no Parlamento Europeu de partidos extremistas anti-União Europeia que iriam bloquear os processos de decisão. Felizmente, tal não sucedeu. Tivemos o maior processo de participação desde 1994. Tenho esperança que nas próximas eleições, daqui a dois anos, os cidadãos apoiem o projeto europeu através do exercício mais básico da vida democrática, que é votar».
Pedro Valente da Silva admite que o euroceticismo é alimentado por um choque de expetativas. «Mesmo para quem, como eu, trabalha nas instituições, muitas vezes não é fácil destrinçar o que é competência nacional daquilo que é competência europeia. Muitas vezes a União Europeia é acusada de inação quando não tem competência em determinadas matérias».
Questionado sobre o futuro, responde que «temos menos de 10 por cento da população mundial, a qual produz à volta de 17 por cento da riqueza produzida no planeta. O que é impressionante. E depois há algo que mostra a diferença europeia: cerca de metade das despesas sociais pagas no mundo, e estamos a falar de subsídios de doença, de desemprego, de pensões, entre outras, são pagas na UE. Ou seja, temos menos de 10 por cento da população mundial à qual é atribuída metade das prestações sociais pagas do globo».
«Quando as pessoas dizem que a União Europeia não é solidária, convido-as a demandar outras paragens. Na UE ninguém fica à porta de um hospital porque não tem meios de subsistência. E há ainda outro aspeto importante: a UE também é responsável por cerca de 50 por cento da ajuda global ao desenvolvimento, a qual presta a países africanos, asiáticos e da América Latina. Se tivermos em conta que tudo isto é conseguido apenas com menos de 10 por cento da população mundial, acho que é demonstrativo da sua importância», acrescentou.
«Não quero imaginar como é que um país como Portugal teria reagido à questão das vacinas da COVID-19. Sabemos que prevaleceria a lei do mercado. Quem tivesse mais fundos, mais rapidamente teria acesso. O programa conjunto de compra de vacinas foi feito numa interpretação muito flexível dos tratados europeus», mas que resultou numa distribuição mais justa.
Agora, «temos cerca de 440 milhões de habitantes. Não nos podemos comparar com a China, a Índia ou os Estados Unidos. Temos um problema demográfico. A UE está a envelhecer. As pessoas acabam por reformar-se e ao mesmo tempo não nascem muitas crianças. Há uma necessidade de imigrantes económicos, pois vários Estados-membros já têm problemas em encontrar mão de obra».
Sobre o Brexit, «neste momento há dois acordos internacionais entre a União Europeia e o Reino Unido. Temos o acordo de saída do UE e um acordo de comércio e cooperação. O problema é que o Reino Unido, por questões de política interna, decide constantemente reabrir o processo. Numa segunda fase, haverá um conjunto de acordos bilaterais entre o Reino Unido e Estados-membros da UE para regular aspetos não incluídos nos acordos entre o Reino Unido e a UE, designadamente, em matéria de mobilidade e permanência de cidadãos. Atualmente, um cidadão britânico que se desloque para Portugal, se não tiver estatuto de residente permanente, pode ficar durante 90 dias. Tentar-se-á encontrar um mecanismo e sabemos que é importante para uma região como o Algarve».
Pedro Valente da Silva deixou ainda uma palavra de apreço a «todo o empenho e simpatia» por parte da anfitriã Isilda Gomes, presidente da Câmara Municipal de Portimão. «Foi um sucesso, tendo em vista que havia uma série de eventos na cidade. Penso que conseguimos ter muitos visitantes no nosso stand móvel e que deram a sua opinião no final. Achamos que valeu a pena ter encerrado esta iniciativa no Algarve».
Portimão foi a cidade com mais eurodeputados presentes no stand, com a participação em conversas do Vice-Presidente Pedro Silva Pereira e ainda de Pedro Marques, Margarida Marques, Maria da Graça Carvalho, José Gusmão e Francisco Guerreiro. Esteve também presente José Apolinário, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve e gestor dos fundos europeus na região, bem como o Centro Europe Direct Algarve.
Além de todas as coletividades locais que se associaram ao evento, Pedro Valente da Silva ficou impressionado com «a forma simbólica e muito colorida» com que os atletas do Clube Naval de Portimão assinalaram o último dia do evento, navegando com as bandeiras dos 27 Estados-membros da União Europeia.
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