Estadão: 'Parlamento Holandês rejeita ratificação do acordo Mercosul-UE'
Parlamentares aprovaram moção apresentada por partido ecologista e alegaram que desmatamento na Amazônia e no Cerrado foram fundamentais para a rejeição do acordo
03 de junho de 2020 | 17h46
Atualizado 05 de junho de 2020 | 11h51
A maioria dos deputados do parlamento holandês aprovou nesta quarta-feira, 3, moção contra a ratificação do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (UE), anunciado no ano passado. A questão ambiental, relacionada à agricultura no bloco sul-americano, foi o argumento central para o voto dos holandeses. Para os parlamentares, o acordo comercial não deve se concretizar.
Quase um ano depois da assinatura do acordo de livre-comércio entre os blocos, ele ainda não foi ratificado. A moção adotada pelo parlamento da Holanda foi apresentada pelos ecologistas do Partido pelos Animais (grupo verde europeu) e pede ao governo do país que se oponha ao tratado nas instâncias europeias.
A decisão foi comemorada pelos verdes europeus. O vice-presidente da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural no Parlamento Europeu, o eurodeputado português Francisco Guerreiro, do partido Pessoas, Animais Natureza (PAN), disse ao Estadão acompanhar a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro para a Amazônia e que a preocupação com o desmatamento na região é um dos motivos pelos quais seu grupo defende a não ratificação do acordo pela UE.
Ao jornal francês Les Echos, a líder da bancada do Partido pelos Animais no parlamento da Holanda, Esther Ouwehand, explicou o significado da votação. “Pela primeira vez, a Câmara de representantes tomou uma posição clara contra o acordo comercial, que o nosso governo era favorável. É verdadeiramente uma grande vitória para a Amazônia e para a agricultura regional sustentável.”
Para a maioria dos deputados holandeses, o acordo provocaria maior desmatamento na Amazônia e nas reservas do Cerrado, além de criar uma concorrência desleal para os agricultores europeus, que teriam de observar normas mais rígidas do que os de seus colegas sul-americanos. Os verdes também alegavam a proteção dos direitos humanos de povos indígenas e comemoraram o voto como uma “vitória para o clima”.
Em um país tradicionalmente liberal e voltado para o livre-comércio, o voto dos parlamentares holandeses foi uma virada. A oposição ao acordo uniu grupos políticos como os verdes, parte dos social-democratas e a direita populista, assim como os defensores dos agricultores. Analistas ouvidos pelo Les Echos afirmam que o voto holandês mostra a afirmação de um sentimento anti-livre comércio na Europa.
O governo holandês não informou o que deve fazer em razão do voto no parlamento. A finalização do processo de análise do acordo na Holanda não deve ocorrer antes do fim de 2020 e é possível que seja postergada para depois das eleições de março de 2021.
Analistas também acreditam que seja pouco provável que o governo holandês peça à Comissão Europeia, em Bruxelas, que renegocie o acordo depois de 20 anos de discussão. Além da oposição holandesa, o parlamento austríaco também aprovou moção contrária ao acordo. No caso austríaco, ela obriga o governo austríaco a votar contra o pacto.
2 perguntas para...
Francisco Guerreiro, eurodeputado (Verdes Europeus)
1. Por que o sr. acredita que questões climáticas, o desmatamento na Amazônia e a defesa dos direitos humanos são fundamentais na análise do acordo UE-Mercosul?
A ciência tem demonstrado que a expansão do desmatamento na Amazônia, sobretudo no Brasil, está intimamente ligado à produção pecuária, à indústria madeireira, aos grandes ruralistas, à destruição massiva da biodiversidade, à seca generalizada e à opressão das comunidades indígenas. O atual acordo apenas vai acentuar esta tendência de destruição ambiental e de crispação social pois sendo o Mercosul a quinta maior economia fora da União Europeia, e havendo uma diminuição das barreiras alfandegárias, sabendo dos escândalos de corrupção, por exemplo no Brasil não será a União Europeia a aumentar os standards de qualidade social e ambiental nestes países. Defender as comunidades indígenas, a proteção da riqueza amazônica e de todos os países da América Latina é rejeitar o acordo. Os Verdes Europeus, por estas razões, têm sido uma voz determinada contra o acordo.
2. O sr. acha que, após os votos da Áustria e da Holanda, o acordo pode ser considerado enterrado nos termos atuais? Outros parlamentos também o rejeitarão?
Gostaria que mais parlamentos rejeitassem o acordo, mas nada demonstra que haja uma possibilidade. Os deputados nacionais, certamente, já se esqueceram dos graves incêndios florestais que recentemente ocorreram na Amazônia e que estão diretamente ligados à indústria pecuária e madeireira.
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