Em fevereiro de 2022, a Ucrânia apresentou o pedido de adesão à União Europeia (UE) e obteve estatuto de país candidato em junho desse mesmo ano. A rapidez do processo reacendeu o tema e colocou novamente em debate o alargamento da maior união política e económica. Portugal, situado na ponta mais a ocidente da Europa, e altamente dependente dos fundos comunitários para o investimento público pode ser um dos países mais impactados com a integração de novos países.
Atualmente, existem nove países com o estatuto de país candidato. A Turquia é o país que há mais tempo se encontra no processo de adesão. Em 1987, apresentou o pedido para integrar a UE, em 1999 tornou-se um país candidato e abriu as negociações de adesão em 2005. Desde 2018, as negociações estão num impasse devido a um contínuo retrocesso no Estado de direito turco e na defesa dos direitos fundamentais.
Para ser aprovado, o alargamento necessita da unanimidade dos 27 Estados-membros da UE. Em dezembro de 2023, o Conselho da União Europeia reforçou o seu empenho em alargar a união política, económica e social, manter o próprio desenvolvimento e assegurar a capacidade de integrar novos Estados-membros.
O primeiro passo da adesão é garantir que a União Europeia tem condições para integrar novos países, o que, para o Bloco de Esquerda, implica uma revisão da política de coesão. “A política de coesão é o único instrumento, que nós temos, que promove a convergência económica e social dentro da União Europeia”, defende José Gusmão, eurodeputado na última legislatura no Parlamento Europeu (PE).
Este mecanismo “tem vindo a perder força quadro comunitário de apoio após quadro comunitário de apoio, e esse processo tem de ser revertido, porque a convergência económica é um pilar fundamental de um projeto europeu bem-sucedido”. O eurodeputado lembra ainda que a saída do Reino Unido, um dos maiores contribuintes, provocou uma diminuição no orçamento disponível.
Esta condição de viabilidade para o alargamento é partilhada, em parte, pelo eurodeputado João Pimenta Lopes, do Partido Comunista Português (PCP), que relembra que existem dúvidas sobre o estatuto de Portugal enquanto país da coesão. “Desde logo estaríamos a falar de um orçamento que já hoje é magro, ficaria ainda mais magro e aí porventura ainda mais condicional”, explica o deputado.
Para exemplificar a situação, João Pimenta Lopes diz que “o impacto da adesão de um país como a Ucrânia à União Europeia, por si só, representaria na PAC [Política Agrícola Comum] um valor de cerca de 25%”, o que “seria o fim da política agrícola comum, das políticas de coesão tal como as conhecemos”, assim como aumentaria as dificuldades de exportação de produtos nacionais, com a entrada de um maior volume de produtos importados no mercado português.
Com os nove países candidatos à UE situados no leste da Europa, Portugal encontra-se numa situação delicada, podendo tornar-se ainda mais periférico, caso as adesões venham a concretizar-se. Ainda assim, o centro da Europa desloca-se para leste, mas esses países aproximam-se dos valores do ocidente. Desde a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, os países mais próximos da Rússia – Polónia, Roménia e os Balcãs (Estónia, Letónia e Lituânia) – aumentaram a sua defesa e instaram a UE a aplicar e reforçar as sanções sobre a Rússia.
“A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia demonstra que o alargamento é também uma prioridade estratégica”, afirmou o Conselho da UE nas últimas conclusões sobre o alargamento. Uma visão defendida por vários partidos portugueses representados no PE, entre os quais o Partido Socialista (PS). “A decisão de considerar que a Ucrânia pertence ao projeto político europeu foi uma decisão histórica e muito importante para não só salvaguardar a integridade territorial do projeto europeu, dizendo que, de facto, a Ucrânia faz parte desse espaço existencial, do próprio projeto europeu. Mas também de se demarcar daquilo que é uma ameaça à sua própria existência, que é, de facto, esta ofensiva, esta invasão russa”, afirma o eurodeputado João Albuquerque.
O alargamento é “fundamental para preservar o próprio projeto europeu, para o aprofundar e para garantir que ele continua a cumprir aquilo que é o seu desígnio inicial”. João Albuquerque alerta ainda que não se pode encarar o alargamento como “numa perspetiva de contas de mercearia” e que este terá consequências quer económicas quer políticas que precisam de ser mitigadas.
“É positivo para Portugal”, defende o eurodeputado Francisco Guerreiro, independente desde 2020 após se ter desvinculado do PAN, partido pelo qual foi eleito nas últimas eleições europeias. “Se nós conseguirmos ter uma União Europeia que se alarga de modo construtivo, que as reformas judiciais, económicas, mesmo dentro do Pacto Ecológico Europeu, se estendem também a esses países, isto é fundamental”, diz.
Embora realce os benefícios, o eurodeputado antevê alguns desafios, como o direcionamento dos fundos de coesão e da política agrícola comum para os novos Estados-membros. “Com a nossa dimensão, vamos sair prejudicados economicamente, mas o que nós também temos de aprender com este processo todo é que os investimentos da União Europeia não devem servir para a contínua subsidiodependência, devem servir para criar o tecido empresarial necessário para nós depois sobrevivermos e prosperarmos sem a necessidade destes fundos”, diz.
A eurodeputada durante a última legislatura no PE acredita que “mais do que um desafio, [o alargamento] seja uma oportunidade para Portugal”. Reconhece que a periferia do país pode constituir um obstáculo, mas assegura que a solução passa por reinventar a economia.
Vasco Becker-Weinberg, do CDS, relembra que os processos de adesão devem considerar outros aspetos de natureza social e cultural “para garantir que a União Europeia consegue manter a sua pluralidade, a diversidade que a caracteriza, num espírito de convivência e de respeito mútuo”. Explica ainda que Portugal após o 25 de abril enfrentou um período muito conturbado e que foi ultrapassado graças à UE, que permitiu a instauração do Tribunal Constitucional.
“Essa normalidade constitucional foi muito importante, de uma maneira que os novos países que pretendem aderir também têm de passar por essa transformação”, diz o eurodeputado desde abril deste ano, quando foi substituir Nuno Melo, após este ter assumido funções como Ministro da defesa nacional.
Becker-Weinberg acrescenta ainda que a adesão da Ucrânia à UE é crucial devido à dimensão de segurança e defesa. “O alargamento vai permitir incluir, no nosso espaço, Estados que estão mais vulneráveis precisamente a esse risco, daquilo que são as ambições russas de fragmentação do projeto europeu no seu essencial e que passa também por uma atitude belicista”, afirma.
Com processos de negociação ainda por iniciar, nos quais o país candidato é preparado para adotar a legislação da UE e aplicar as reformas necessárias ao nível judicial, económico e administrativo, Portugal terá muito tempo para se ajustar a uma possível mudança do centro da Europa. Uma adaptação que acontecerá de forma inevitável para alguns dos eurodeputados portugueses e que poderá conduzir a uma menor dependência de fundos comunitários.
O alargamento “é um investimento geoestratégico na paz, na segurança, na estabilidade e na prosperidade” e o “motor da melhoria das condições económicas e sociais dos cidadãos europeus, reduzindo as disparidades entre os países”, assegurou o Conselho da UE. Ainda assim, os eurodeputados portugueses alertam que certas alterações têm de ser feitas na própria UE para garantir que é capaz de integrar e dar respostas às necessidades dos novos Estados-membros.
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