Expresso - Pacto das migrações foi o acordo possível no Parlamento Europeu antes das eleições, mas vai ter de ser mudado no próximo mandato?
Um dos temas incontornáveis de discussão nos debates para as eleições europeias tem sido o Pacto de Migrações e Asilo. Para entender se este regulamento vai precisar de ser modificado no próximo mandato, o Expresso conversou com os deputados de cada partido com assento na atual constituição do Parlamento Europeu.
Há oito anos que a União Europeia (UE) tentava alcançar um acordo relativamente à receção e ao tratamento dos refugiados e requerentes de asilo. Após várias tentativas de compromisso, o pacto de migrações e do asilo foi aprovado pelo Parlamento Europeu (PE) na reta final da legislatura. Embora seja considerada uma reforma histórica, é uma legislação que divide opiniões. Tanto nos Estados-membros como nos grupos políticos europeus.
Com dez dossiês, este pacto implica uma cooperação entre os 27 países da UE para garantir uma partilha equitativa dos encargos. “Os Estados-membros tentaram lidar com a migração sozinhos, mas a realidade é que a migração foi colocada sobre os ombros de alguns”, explica Tomas Tobé, eurodeputado sueco do PPE (ao qual pertencem o PSD e o CDS) e um dos relatores deste regulamento. "A migração não é uma questão que cada Estado-Membro possa resolver sozinho”, declara.
Esta legislação prevê estratégias como a implementação de um mecanismo de solidariedade para apoiar os países mais pressionados pela chegada de refugiados, o registo das pessoas logo na receção, o tratamento mais rápido dos pedidos de asilo, entre outras medidas.
“Houve inicialmente uma polarização entre extremos e tentámos preservar o espírito de conciliação e de concertação. De qualquer das formas, no final deste processo, estamos todos insatisfeitos. Parece que é essa a caraterística de um bom compromisso: ninguém fica com tudo, todos têm de fazer concessões”, afirma Fabienne Keller, eurodeputada francesa do grupo dos liberais Renew e uma das relatoras deste pacto.
Insatisfação é, precisamente, o sentimento destacado pelo eurodeputado do PCP, João Pimenta Lopes. “São implementadas medidas que são alheias até a aspetos que estão consagrados no direito internacional”, afirma. Estão instituídas práticas como “a recolha de impressões digitais de crianças a partir dos seis anos, impõe-se uma espécie de solidariedade obrigatória, uma distribuição dos que conseguem chegar e passar os procedimentos de análise, que são intensificados, que são prolongados no tempo, implementando medidas de detenção de migrantes inclusive de famílias e de crianças”.
João Pimenta Lopes é crítico da “solidariedade obrigatória”, que considera ser um “cinismo muito grande”. Quando a Ucrânia foi invadida pela Rússia, milhares de ucranianos optaram por procurar refúgio noutro país. Cerca de 3,8 milhões de ucranianos foram distribuídos pelos diversos países da União Europeia, através de uma diretiva estabelecida desde 2001, revelam dados do Eurostat. “Há aqui algo que é incompreensível: como é que são ativados mecanismos que são considerados nuns casos e não são noutros”.
O eurodeputado defende igualmente que é preciso intervir sobre as causas de fundo das migrações, entre as quais os “processos quase neocoloniais de países da União Europeia que intervêm para explorar aquilo que são recursos, mas que não criam as condições para o desenvolvimento económico, social, cultural”.
“Nós votámos contra e como é evidente isto implica que, apesar do finalmente que nós ouvimos muitas vezes dizer, ela ainda não é uma medida que satisfaça e uma medida que pense nas pessoas antes de pensar nas fronteiras”, diz Anabela Rodrigues, eurodeputada do BE.
Entre 2020 e 2023, o número de refugiados na UE aumentou em cerca de 173%. É a região do mundo que mais recebe refugiados, segundo o Atlas para as Migrações divulgado pela Comissão Europeia. Para receber e acolher os refugiados de forma adequada, Anabela Rodrigues defende que é necessário rever a questão da externalização das fronteiras, em especial devido aos acordos com “países que não costumam respeitar os direitos humanos e é importante valorizar mais uma vez que este sistema deve sair da balança”.
Já Vasco Becker-Weinberg, eurodeputado do CDS, afirma que esta legislação vai harmonizar as regras e permitir a cooperação entre os países. Este mecanismo de “solidariedade obrigatória” significa, no entender deste parlamentar, que os Estados que sofrem de maiores pressões migratórias vão ser ajudados na realocação de pessoas recém-chegadas, no apoio operacional imediato e a longo prazo, assim como no acolhimento.
“O pacto tem esse pilar fundamental que é a legalidade, ao garantir que as situações devem ser tratadas de acordo com a lei, permitindo a permanência legal em território europeu e o seu tratamento de forma célere; e mesmo as situações que não permitem a permanência é possível que sejam resolvidas de forma mais célere possível”, diz.
Também a eurodeputada do PSD, Lídia Pereira, considera esta reforma é um passo para um “bom caminho” e salienta que “os extremos normalmente alimentam-se desta agenda e o centro moderado conseguiu entrar" e "entregar resultados”. “É evidente que não é um acordo perfeito, mas é preferível nós termos esta legislação do que não termos nenhuma”, afirma.
Lídia Pereira admite que existe uma forte probabilidade que o pacto seja revisto no próximo mandato, mas salienta que é preciso implementar as medidas e fiscalizar os Estados-membros para garantir que “estão a cumprir com as responsabilidades com as quais se comprometeram”. Os regulamentos serão aplicados a partir de 2026, após serem feitas as alterações necessárias na legislação nacional para incluir estas leis.
“Infelizmente não é o nosso Pacto das Migrações”, declara João Albuquerque, eurodeputado do PS, que explica que as medidas aprovadas na versão final não eram as que o grupo dos socialistas europeus gostaria de ter incluído.
Embora o grupo político que representa não concorde plenamente com este pacto, o deputado socialista concede que “a próxima composição do Parlamento poderá ser muito mais conservadora, com um discurso muito mais xenófobo e muito mais anti-imigrações", por isso "esta era a janela de oportunidade que tínhamos para criar mecanismos de solidariedade efetiva que melhorem aquilo que eram as condições anteriores dos Regulamentos de Dublin”, que estabelecia que o país de chegada tratava do pedido de asilo do migrante que tinha chegado à UE.
O processo de aprovação do pacto de migrações e asilo foi acelerado para ocorrer antes das eleições europeias, onde se teme uma alteração da composição que favoreça mais as forças da extrema-direita, explica o eurodeputado independente do grupo Verdes/Aliança Livre Europeia, Francisco Guerreiro (ex-PAN). No entender deste parlamentar, o debate sobre este tema “mereceria mais tempo” e “mais maturação”.
Era necessária uma legislação que “combatesse as forças externas que traficam estes seres humanos, que garantisse também a segurança interna do espaço europeu, naturalmente, e que se conseguisse um sistema efetivamente harmonizado de distribuição destas pessoas”. A ambição em alcançar este equilíbrio "não foi alcançada”, afirma.
Com uma forte discussão sobre o tema ao longo desta campanha para as eleições europeias, parece inevitável que este pacto continue a ser discutido no PE e que, eventualmente, seja até revisto.
“Não se trata de uma solução para a questão do asilo e da migração, porque não existe uma solução única. A imigração faz parte da história da humanidade: as pessoas deslocam-se de zonas problemáticas para zonas prósperas. Mesmo na Europa, historicamente, temos migrado. A questão é mais sobre a forma como a gerimos, como a incorporamos nas nossas políticas, tendo em conta o desenvolvimento do espaço Schengen”, explica Fabienne Keller, relatora de um dos textos desta proposta. Dentro do possível, o pacto é “uma resposta eficaz e coerente”.
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