Público - O meu reino por um cavalo? Ou será um bife? Ou um morango fora de época?
O meu reino por um cavalo? Ou será um bife? Ou um morango fora de época?
Apesar de gerar emprego e impostos, acabamos por ficar com os impactos ambientais e sociais, o dinheiro nas mãos de alguns e os bens espalhados pelo mundo.
O Parlamento Europeu, em fim de legislatura, tem apressado várias votações, entre as quais a recente retirada das salvaguardas ambientais que ainda resistiam na atual Política Agrícola Comum. Como se fossem as exigências ambientais a dificultar a vida aos agricultores, e não o facto de não se aplicar aos produtos agrícolas importados as mesmas exigências que aos produzidos na UE ou de muitos agricultores não serem sequer elegíveis para os apoios da PAC, que iriam melhorar a rentabilidade da sua atividade.
Novo passo atrás no Pacto Ecológico Europeu, no seguimento da oposição furiosa (e por vezes irracional) à Lei do Restauro da Natureza, liderada em grande parte pelos grandes lobbies da industria agrícola, e dos inúmeros entraves para aprovar a regulamentação que reduziria a utilização de pesticidas, apesar dos impactos que estes produtos têm na saúde humana e na biodiversidade.
Ao chegarmos ao século XX, a industrialização e as novas tecnologias criaram condições nunca antes existentes para o aproveitamento da terra, para a produção de alimento e para alterar drasticamente os nossos hábitos de consumo e a própria Natureza. E se Adão comia maçãs e o Popeye espinafres, a industrialização, urbanização e globalização trouxeram uma melhoria significativa das condições de vida de milhões de pessoas em todo o mundo, mas também o aumento do consumo de alimentos processados, fast food e dietas ricas em gordura, açúcar e sal, com graves consequências para a nossa saúde e do planeta. A agricultura tornou-se a principal causa da perda de biodiversidade no continente europeu.
Nas últimas décadas, passamos a misturar alimentação, qualidade de vida e saúde com grandes lobbies económicos, consumismo desenfreado e estilos de vida desproporcionados em relação ao impacto que causam à nossa volta. Quem tem menos dinheiro é condicionado a comprar produtos processados de pior qualidade e com maior impacto na sua saúde e no ambiente. Com os apoios comunitários a fazerem chover dinheiro (água é que não), acabou-se por se subverter e intensificar os sistemas agrícolas e a nossa própria alimentação, com prejuízos para todos nós, agora e no futuro.
Temos de apoiar outras formas de produção de alimento com menos impacto, reduzir o desperdício, apoiar a produção e o consumo locais e adaptados às condições ambientais locais (reduzindo transportes e com um maior controlo da qualidade da produção). Apoiar as populações em zonas rurais pagando a quem gere o território com retorno positivo para a sociedade, como a prevenção de incêndios, a recarga de aquíferos, a proteção de solo, ar e água, entre outras medidas positivas para a economia local e nacional. Contribuir para a melhoria da dieta e da saúde das populações retira peso do Serviço Nacional de Saúde. O premiado documentário nacional Carne: a pegada insustentável mostra bons exemplos em Portugal.
Abdicámos da nossa tradicional e altamente recomendável dieta mediterrânica, com base nos produtos da época e nos vegetais, para passarmos a ter uma produção dominada pela carne e alimentos processados, com grandes impactos na saúde e a nível social e ambiental.
Dados da União Europeia mostram que 80% dos milhares de milhões de euros da Política Agrícola Comum vão para apenas 20% dos seus beneficiários. Em Portugal, grande parte dos apoios comunitários acabam por ir para grandes proprietários e grandes empresas que têm capacidade de obter estes fundos e que investem fortemente na industrialização da agricultura, muitas vezes para exportação. Apesar de gerar emprego e impostos, em Portugal acabamos por ficar com os impactos ambientais e sociais, o dinheiro nas mãos de alguns e os bens espalhados pelo mundo.
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