Nas redes sociais, foram várias as publicações que partilharam as imagens sangrentas daquele que foi mais um abate de golfinhos e baleias nas ilhas Faroé da Dinamarca. A lei europeia proíbe a caça destes animais. Ora, considerando que a Dinamarca faz parte da União Europeia, as instituições europeias não estão a atuar?
A caçada foi amplamente noticiada. Apesar de se tratar de uma tradição que se repete todos os anos, desta vez, a dimensão do massacre foi maior do que o habitual. Mais de 1.400 golfinhos e baleias foram mortos, utilizando uma técnica apelidada de “grindadráp”, ou seja, foram encurralados com a ajuda de barcos, na praia de Skálabotnur, na ilha de Eysturoy (uma ilha do arquipélago de Faroé). A matança ocorreu a 12 de setembro. As imagens partilhadas pelo Sea Shepherd, um grupo de preservação de seres marítimos, mostram evento sangrento.
De acordo com a Agência France Presse, um porta-voz do governo de Torshavn - a capital das ilhas Faroé, um território da Dinamarca, mas autónomo – “não há dúvida de que a caça aos cetáceos nas ilhas Faroé é um espetáculo dramático para as pessoas pouco habituadas à caça e abate destes mamíferos. Estas caçadas são, no entanto, bem organizadas e totalmente reguladas”. A regulação serve para prevenir que estes animais sofram no momento do abate. Golfinhos e baleias-piloto (espécie de baleia) são mortos com a finalidade de serem consumidos pelos habitantes das ilhas.
Contudo, de acordo com o grupo Sea Shepherd a caçada foi feita sem licenças, não tendo sido comunicada ao departamento distrital. A organização explica que, como não havia muitas pessoas em terra, alguns destes animais foram atacados, mas permaneceram vivos com golpes graves e em sofrimento, até serem abatidos. À CNN Brasil, Kristian Petersen, de 41 anos, natural das ilhas Faroé, afirmou: “Eu também já participei na caçada. Desde que tenha sido apenas para comida, eu apoio. Mas esta recente caçada, no fim de semana, sou contra o que aconteceu.”
A lei europeia sobre esta matéria é clara: “todas as espécies de baleias e outros cetáceos estão protegidos de serem perturbados deliberadamente, capturados ou mortos nas águas europeias”.
Mas no caso das ilhas Faroé esta lei não se aplica. Entre 2009 e 2021, vários eurodeputados escreveram à Comissão Europeia a apelar que atuasse para terminar com esta tradição. A resposta da Comissão tem sido sempre a mesma: “A comissão está empenhada na proteção de todos os cetáceos e gostaria de recordar que, na União Europeia, a captura ou morte de cetáceos é proibida pela Diretiva sobre os habitats. No entanto, o assunto em questão não é da jurisdição da União Europeia, uma vez que os Tratados não se aplicam às ilhas Faroé”. Mais: a Comissão frisa que nenhum fundo europeu está a servir para promover esta prática e que o governo dinamarquês não tem qualquer envolvimento.
No entanto, ao Polígrafo SIC/Europa, a eurodeputada Anja Hazekamp, do grupo Esquerda Unitária no Parlamento Europeu, contradiz a Comissão: “A Dinamarca permite estas caçadas. Esta complacência foi denunciada pelo grupo de preservação marinha Sea Shepherd”.
Sirpa Pietikäinen, eurodeputada do grupo do Partido Popular Europeu e presidente da Comissão para o bem-estar dos animais durante o transporte, confirma a denúncia da organização Sea Shepherd e diz que próximo passo da Comissão que preside será enviar uma carta diretamente ao governo dinamarquês. Ao Polígrafo SIC/Europa, a eurodeputada afirma que “a Comissão Europeia deve pedir respostas ao governo da Dinamarca e caso não obtenha apoio do Estado-membro, deve sancionar ou processar o país”.
Também a eurodeputada Maria da Graça Carvalho, da delegação do PSD no Parlamento Europeu e membro da Comissão das Pescas, declarou ao Polígrafo SIC/Europa que se a Comissão o desejasse poderia aplicar sanções. De acordo com a social-democrata, “existem acordos bilaterais em termos de pesca, de comércio, de ciência e inovação entre a União Europeia e as Ilhas Faroé. Por exemplo, estas gozaram até agora do estatuto de país associado no programa-quadro de ciência e inovação, o Horizonte 2020, e estão a negociar com a Comissão Europeia o estatuto de país associado ao Horizonte Europa. Portanto, a Comissão tem vários meios ao seu dispor para influenciar uma decisão por parte das Ilhas Faroé no sentido de porem termo a esta prática”.
A eurodeputada Isabel Estrada Carvalhais, da delegação do PS no Parlamento Europeu e membro da Comissão de Inquérito sobre a Proteção dos Animais durante o Transporte e das Pescas, afirmou ao Polígrafo SIC/Europa que “este último incidente resultou em mortes em massa, o que nos leva a questionar o argumento da Dinamarca e das Ilhas Faroé sobre a sustentabilidade destas ações, tanto a nível ambiental como também a nível social e económico. Considero por isso que é tempo de as instituições europeias descodificarem a quem pertence o ônus de uma vez por todas, para que se possa aplicar as devidas sanções e as medidas necessárias, através de todos os instrumentos disponíveis, para encorajar o fim de massacres como o deste ano”.
Já Francisco Guerreiro, eurodeputado independente e também membro da Comissão das Pescas, explicou ao Polígrafo SIC/Europa que “na sequência desta mais recente matança de golfinhos e baleias nas ilhas Faroé, um grupo de quase 60 eurodeputados, provenientes de todo o espetro político e de vários Estados-membros, enviou hoje (24 de setembro) uma pergunta escrita à Comissão, cuja resposta demorará agora algumas semanas a chegar. Nesta pergunta, encorajamos a Comissão Europeia a agir no sentido de, bilateralmente, tentar levar a que esta matança seja proibida, pois os animais em causa encontram-se em necessidade de proteção e a sua extinção não terá, obviamente, repercussões que se limitam à biodiversidade das ilhas Faroé”.
Posto isto, é falso que a União Europeia não esteja a fazer nada em relação às caçadas de golfinhos e baleias nas ilhas Faroé. Vários eurodeputados têm-se manifestado sobre o assunto, apelando à Comissão Europeia para tomar uma posição. No entanto, as ilhas Faroé não estão sob a jurisdição da lei europeia.
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